HISTÓRIAS AINDA MAL CONTADASRenato Lôbo

SARA

Ela era uma mulher do Oriente, de olhos negros e uma pinta ao canto da boca.
Que se encontrava no meio da tenda, pronta para deixar tudo quanto amava para trás. Que futuro havia para uma mulher estéril, sem raízes?
Até que, naquela noite, Abraão se aproximou para lhe contar que havia ouvido das estrelas.
– O que foi que elas disseram? – Perguntou Sara de olhos arregalados.
– Que eles deveriam procurar outra terra, e morar em tendas. E que, daí em diante, o futuro deles estaria nas estrelas.
Como ir? Como deixar a casa, o jardim, os bichos de estimação, os amigos? E para onde? E por quanto tempo?
– Vivo aqui desde menina. Agora tenho de abandonar tudo e ir para um lugar que sequer as estrelas dizem onde é? Nenhum mapa, nenhuma indicação! Só a voz das estrelas? Não seria muito vago?
– Não sei, Sara. Só sei que tenho de ir.
Foi tudo o que ele disse. Mas ela foi junto.
O que levar, o que deixar? Do que se desfazer, vender, doar?
As coisas escondiam tanta história! Caixas com cartas, o buquê de casamento, sapatinhos do filho que ainda não viera…
Algumas casas de Ur tinham mais de doze cômodos, fontes de água potável, água encanada, um bom telhado, paredes e portas com trancas. Que proteção uma tenda podia oferecer contra ladrões e animais selvagens? E a família? Talvez ela nunca mais visse os seus.
Mas Abraão ouviu, de novo, as estrelas, e foi uma promessa desmesurada: Você será uma grande nação!
Ninguém, ali, era jovem, ninguém, com filhos, Sara era estéril. Que brincadeira de mau-gosto, aquela! Seria mesmo para caminhar na direção do nada?
E assim passaram dez anos, até que Abraão atravessou o rio Eufrates e chegou em Canaã. Todas as mudanças haviam sido feitas.
E as estrelas, que haviam se calado, falaram, novamente.
Nem Sara sabia, mas já estava grávida. Abraão seria pai.